segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Estupro é assunto sério | Carta da Editora




Talvez haja quem pense que o tema estupro é algo pesado demais para ser discutido, talvez até mesmo indelicado de se tratar. Pois bem, se você pensa assim, é exatamente com você que quero falar.

O tema apareceu para mim de forma recorrente na última semana. Primeiro como a notícia de uma estudante universitária violentada nas proximidades da UnB. Três dias depois, a manchete era sobre a prisão de um suspeito de estuprar mulheres perto da Unicamp. No dia 25, dois dias depois, veio a notícia da absolvição de Severina Maria da Silva, a mulher abusada pelo próprio pai desde os nove anos e que mandou matá-lo.

Claro que, como estudante universitária, os dois casos relacionados às instituições de ensino superior me assustaram muito. Que o mundo é violento e que é preciso se cuidar, todo mundo sabe. E sempre é revoltante perder um relógio ou o novo celular para um assaltante, mas e quando levam de você a sua honra, o seu orgulho e o domínio do seu corpo? Não bastasse o absurdo que é ser violentada, a cada novo caso vem à tona também uma história de descaso das autoridades. Em relato anônimo, uma das vítimas da Unicamp conta que (...) a escrivã do quarto DP quase me convenceu de que era eu a culpada, teve de ligar no celular do delegado para confirmar se registrava estupro ou não. E a delegacia da mulher torceu para que eu arquivasse o caso.  (daqui)

Quão absurdo pode ser isso? Impossível de medir. Mas, com certeza, não chega perto do descaso e da humilhação porque passou Severina. Ela, que tanto pode ser considerada uma heroína que teve a promotoria pedindo ao júri que a absolvesse, não só sofreu descaso das autoridades policiais, como também da própria família. Mais que isso, sua mãe entrou em acordo com aquele que seria seu algoz durante quase trinta anos:

Meu pai não deixava eu e minhas irmãs fazermos nada. Toda a minha vida eu sofri. Comecei a trabalhar na roça ainda menina, com seis anos, arrancando mato.
Aos nove, fui com meu pai para o roçado. No caminho, ele me levou para o mato, amarrou minha boca com a camisa, me jogou de cabeça e tentou ser dono de mim. Eu dei uma pezada no nariz dele, e ele puxou uma faca para me sangrar.
A faca pegou no meu pescoço e no joelho. Depois, ele tentou de novo, mas não conseguiu ser dono de mim.
Em casa, contei para minha mãe e ela me deu uma pisa. Fiquei sem almoço.
À noite, minha mãe foi me buscar e me levou para ele. Me botou de joelhos na cama, tampou minha boca com o lençol e pegou nas minhas pernas para ele pular em cima. Eu dei um grito e depois não vi mais nada.
No outro dia, fui andar e não pude. Falei: "Mãe, isso é um pecado, é horrível". E ela: "Não é pecado. Filha tem que ser mulher do pai." “

O depoimento de Severina, disponível na íntegra aqui, é de cortar o coração. Talvez por ser o caso de uma nordestina, nascida e criada – se é que se pode chamar algo que daí tenha vindo de criação - no interior de Pernambuco, nos ponhamos a uma distância segura, apenas abismadas (os) com a brutalidade humana. Mas volto a chamar a atenção para os casos das alunas da UnB, da Unicamp e de todas as outras mulheres que já passaram por isso.


Diz-se que, em todo o mundo, uma a cada cinco mulheres será violentada durante a vida. Isso pode estar mais perto de você – que pensa no tema como algo pesado demais para se discutir - do que se imagina. Até porque, se não fossem pelas constantes discussões acerca do tema, o Código Penal não teria sido reformulado. Imagine-se sendo obrigada a praticar sexo oral ou anal. Até 2009, isso não configurava estupro. Seu orgulho, sua integridade, seu direito à liberdade de trânsito e de escolha eram feridos. Mas estupro não era, não senhor.

Hoje o Código penal define estupro como o ato de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.(assim diz tia Wiki). O mais interessante é que a violência pode ser real – com uso de armas, uso de força e afins – ou presumida – quando se entende que a vítima não tem como se defender. Logo, se algum babaca embebeda ou droga outra pessoa – sim, porque, a partir de 2009, homens também podem ser considerados vítimas de estupro – e, depois, a força a praticar algum ato sexual, ele está cometendo um crime, e pode ficar preso de 06 a 10 anos.

Então, pelo amor da divindade em que vocês acreditam: dêem fim aos discursos que reproduzem que fulana foi violentada por que usava roupas curtas ou que fulana mereceu, ninguém mandou andar sozinha à noite. Você tem o direito assegurado constitucionalmente de ir e vir, e de liberdade de escolha – sim, isso inclui suas roupas. Ninguém, sob hipótese alguma, pode te subjulgar ou violentar por isso. Quem comete estupro é criminoso e a vítima é tão somente isso: uma vítima.

E eu não vou nem comentar a polêmica do Rafinha Bastos, porque, olha, tenho uma preguiça enorme dele.

4 comentários:

  1. Sempre fico horrorizada com esses casos. Não tenho outra palavra para descrever o que penso disso: Horror, completo. Esses papinhos de que fulana mereceu, na minha opnião não merecem nem ser discutidos. Quem fala isso deve dizer só para causar polêmica, porque não é possível que alguém realmente pense assim! Alias... Se é possível alguém cometer o ato do estrupo.. Bom, tudo é possível quando se trata dos humanos né, até as maiores monstruosidades. ótimo post!

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  2. Any, parabéns pelo post, mas gostaria de fazer um adendo.. Acredito que a punição do CP antes era mais gravosa, pois quando uma mulher sofria sexo anal ou oral e ainda cópula contra sua vontade, ela veria seu agressor responder por dois crimes: Atentado violento ao pudor e estupro, que tinha as penas somadas e computadas, agora ele só responde por um crime, o de estupro.

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    1. Mas para isso, Patrício, era preciso que as duas coisas acontecessem. Caso o cara apenas forçasse a mulher a praticar sexo oral ou anal, sem intercurso vaginal, ele respondia apenas pelo crime de atentado ao pudor - uma pena bem mais branda e que, veja bem, pode incluir até beijo em público.

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    2. Any, o beijo que vc se referiu não caracterizava antes atentado ao pudor/atentado violento ao pudor, o que pode ser caracterizado é ato obsceno: Ato obsceno

      Art. 233 - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público:

      Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

      O atentado violento ao pudor:
      Atentado violento ao pudor (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009)

      Art. 214 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal: Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90 (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009)
      Pena - reclusão, de seis a dez anos

      A pena já chegou a ser diferente, mas quando eles foram unificados eles já tinham penas iguais, veja:

      Art. 213 - Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça:
      Pena - reclusão, de seis a dez anos.

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