terça-feira, 1 de março de 2011

Coluna do Teo: CANSEI DE SER SÉRIO



Na moda, há espaço para tudo: intelectualidade, desencanamento, atitude cool, efemérides, boemia, ideologia, crítica, minuciosidade, delicadeza. Tudo mesmo. Porém, havia uma seriedade predominante em coleções dos grandes criadores até pouco tempo. Com suas exceções, boa parte dos designers costumavam criar apenas roupas que deveriam ser belas formas de cobrir o corpo - e só. Nesta década, tivemos uma crise financeira que já vinha dando indícios de sua existência a tempos e que afetou muito a criação de moda. Mas ela passou, e vários designers - novos talentos e veteranos - resolveram apostar numa atitude mais descontraída, mais brincalhona e quase cômica. E, pra descontrair, eu comento algumas coleções das semanas de moda que tivemos até agora todas nesse espírito de gente que não se leva a muito a sério, que pensa que a vida é pra ser vivida.



SPFW

Nessa edição, duas grifes clássicas que se destacam sempre pela diversão que envolve os seus universos deram um show e tanto! Primeiro, a Amapô inovou sua fórmula e apostou em looks masculinos, desfilados ao lado de femininos. Havia uma atmosfera muito jovem na coleção de Carô Gold e Pitty Talliani. Elas executaram um trabalho incrível de sobreposições, de intersecção de peças, de texturas, cores e formas. Transparências, diversas estampas, ternos absolutamente desconstruídos, penas de gravatas que formavam cintos e botas de couro de jacaré conviviam no mesmo look. O feminino parecia desfilar Harajuku Girls mestras em toda sorte de maluquices de styling possíveis. Já o masculino desfilava meninos geeks com o cérebro fora do lugar (-comum, é lógico!). As duas coleções “conversavam” entre si e tinham como tema comum a experimentação que a mente de um adolescente meio maluquinho que quer tentar novas idéias e pô-las todas em prática, mesmo que possuíssem um gosto meio duvidoso (idéia reforçada pela trilha sonora composta por Linkin Park e Evanescence).

Juventude e explosão de experimentalismo no Inverno da Amapô (Inverno 2011)

A outra foi a Neon, que resolveu revisitar seus clássicos, cheios de looks fantasiosos. Os modelos que iam de caftãs a vestidinhos justíssimos possuíam o DNA da Neon, que é composta por muita diversão, um glamour meio vintage, e nenhum auto-indulgencia. A mulher Neon é aquela que não se leva a sério e se entrega aos prazeres da vida, uma mulher decidida, super produzida, e que brinca com a sua personalidade e com o olhar dos outros. A forma também como o desfile foi apresentado foi muito divertido. Dudu Bertholini e Rita Comparato -estilistas da grife- deram uma lição do que é moda brasileira.

O DNA brasileiríssimo é grande marca da Neon (Inverno 2011)


NEW YORK


Em New York, o grande destaque vai para o infame designer Jeremy Scott. Com toda a certeza do mundo, você já desejou alguma peça que ele criou. Mais especificamente, desejou os tênis criados por ele para a Adidas, com a sua linha própria dentro da gigante de moda esportiva, Jeremy Scott for Adidas Originals, que, infelizmente, não chegam às prateleiras das lojas brasileiras. Quem nunca desejou os Adidas alados, revisitando as sandálias do mensageiro do Olimpo, Hermes?
Mas não é dessa linha que quero falar. Na verdade, é um pouco desconhecida da maioria do público que consome/admira o trabalho do Jeremy na Adidas a sua própria linha de high fashion, que leva o seu nome. Para este inverno, o Jeremy criou uma das coleções mais cômicas da estação (!!!). Abusando de ícones da cultura americana, subvertendo-os e usando-os a seu favor. O designer entrou nuam vibe meio anos 90, na época em que ele ia à escola, se vestia para as festas noturnas, e assistia filmes adolescentes. Ele mesmo admite que se inspirou no filme Clueless (As Patricinhas de Beverley Hills, no Brasil). A coleção mesmo está recheado de saias curtas, referências a HQs norte-americanas, muito brilho, cores neonmeninas com marias-chiquinhas coloridas, parecendo Barbies piriguetes adulteradas, pelúcia ao lado de transparências, barriguinhas e umbigos à mostra.. É exatamente este o espírito de todo o desfile, um retrato dos Estados Unidos fake.

Jeremy Scott Inverno 2011: Poderia ser o figurino da Angélica nos anos 90.

LONDRES

A Semana de Moda de Londres é conhecida como um grande celeiro de novos talentos. Já revelou Alexander McQueen, John Galliano, Christopher Bailey e gente do nivel. Dentre todas essas novas mentes, aparece Mary Katrantzou, dona de um estilo absolutamente delicado e de um barroquismo gráfico completamente decorativo. É uma graça de se ver as criações dela. Mesmo que o trabalho dela seja bastante centrado, bastante cerebral, a grife consegue criar algo unicamente seu e merece grande destaque na mídia e dentro do público da moda. Para o Inverno 2011, o seu decorativismo continua no auge, agora as estamparia e as formas dos seus vestidos, junto com o styling do desfile, criam uma mulher que é muito mais real, muito mais concreta. Os vestidos e todos os looks possuiam florais, motivos palacianos como peixes, paisagens, arabescos, algo bastante nobre, o que me fez pensar na arquitetura de um aposento real numa peça de roupa. As meninas, no fim das contas, ficam parecendo delicadas xícaras de chá belamente adornadas.


Cansou de ser séria? Que tal deixar Mary Katrantzou te transformar numa bela xícara?!

Como são poucas as grifes com certa tradição que se apresentam na Semana de Moda de Londres, a maioria realmente são de designers estreantes (pelo menos, no evento). Dentre estes novos designers, destaque aqui é a Louise Gray, que está a apenas quatro apresentações na semana de moda. A estilista possui um estilo absolutamente lúdico, cheio de estamparias com padrões diferentes numa única peça, acessórios de cabeça malucos, transparências, masculino X feminino, mix de texturas e uma patchwork que lembra as coisas da avó, só que mais piradas. O estilo festivo da Louise poderia muito bem assinar o figurino de algo como o Castelo Rá-Tim-Bum, só pra comparar. É uma explosão de criatividade e de idéias que me dá gosto de ver.


Festa infantil na Louise Gray (sem ofenças!)

MILÃO

O contrário de Londres, Milão possui a maior concentração de desfiles de grifes tradicionais. Pense em Fendi, Bottega Veneta, Gucci, Moschino, Versace e todas essas fashion houses italianas podres em luxo, legados familiares de eras e eras. Tomando frente de uma dessas grifes, está uma mullher famosa por sua intelectualidade (phD em Ciências Políticas) e pelo seu trabalho nada óbvio. Junto com os do Marc Jacobs, os desfiles dela são os mais aguardados das temporadas de moda por sua, digamos, culpa por mudar o rumo da moda, sugerindo intrigantes visões sobre alguns assuntos abordados na moda. Sim, eu falo de Miuccia Prada e do seu interessante jeito de revisitar o dito “bom gosto”, causando um certo estranhamento com suas roupas. Nessa estação, a Prada resolveu quebrar conceitos e “adocicar” o que seria considerada a arma mais potente de uma femme fatale: sua sensualidade.


Vestidinhos acima do joelho, couro de píton, peles, paetês, rosa, tudo isso que seria considerado puro glamour é desbancado com proporções folgadas no corpo, uma silhueta meio 20’s (cintura baixa e saias molengas) e, por vezes sessentinha (com vestidos em A e algumas boas adaptações do clássico vestido Mondrian, do mestre Yves Saint-Laurent, marco do modernismo na moda) e doces sandálias mary-jane. O cliché do guarda-roupa de uma mulher extremamente sensual e sedutora é revertido num momento de ternura pueril. Curiosamente, os anos 20 e 60 trabalhados, coincidem com momentos de emancipação feminina - o primeiro momento com uma libertação da imagem de mulher, que, na época, passou a se aproximar da androginia; o segundo, os anso 60, com o surgimento do feminismo assim dito. A coleção,e os looks, me deram a impressão de ver menininhas tentando brincar de mulheres com suas roupas de criança.
A Prada, dessa vez, ficou mais pra Miu Miu (sua linha jovem), e obteu um resultado refrescante e jovem. Miuccia saiu do sério quando saiu do óbvio e propôs um novo olhar sobre a tradição.


A sensualidade fora do óbvio se tornou inocência na Prada

Por último, vem o desfile da dupla formada por Domenico Dolce e Stefano Gabbana. A Dolce & Gabbana volta no tempo e ressucita os anos 90, com direito a ‘Vogue’, da Madonna, na trilha-sonora. A proposta tipográfica da coleção (insira aqui meus risos) foi levada a sério e a fundo em todos os looks. Disfarçados em tons neon, às vezes essas letras formavam texturas e se misturavam formando absurdos alfabéticos que a gente nem sabe em que letra acaba. O peso gráfico dos looks foi enorme e o statement provocado por cada peça, tenha certeza, não é pequeno.
A coleção se contrapõe com a última estação da grife, quando os estilistas resolveram apostar, viralmente, em florais, ora com looks fluidos, outros mais concretos, mas todos tinham toda aquela inspiração camponesa, extremamente bucólica. Aqui, a Dolce & Gabbana se contrapõe, sai da fazenda e vem moderníssima para o grande centro urbano, para a excessividade de informação e para o barroquismo contemporâneo. É uma coleção que se baseia no hype, com peças de rápido consumo e que se tornam obsoletas facilmente, mas o cliente da Dolce & Gabbana, ávido por “estar na moda”, não deve se importar nem um pouco com isso. Muito pelo contrário.
Devo admitir que a dupla não me agrada bastante. Normalmente, a D&G cria coleções tão óbvias que perde a graça a gente ver. Em questão temática, nunca há nada novo. Mas agora eles fizeram algo mais original. Pra mim, esse é o caminho que eles deveriam seguir: abordando o gosto (e o mau gosto) do high fashion mais comercial.

A mulher helvetica da Dolce & Gabbanna




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